sexta-feira, 30 de julho de 2010

Deputados com mandatos duplos eram comuns na Monarquia

Com o acesso aos altos cargos da administração pública e às Assembleias Legislativas Provinciais, Câmara dos Deputados e Senado restrito a uma "ilha de letrados", parafraseando expressão do cientista político José Murilo de Carvalho, era frequente o acúmulo de mandados parlamentares pelos políticos do Império. A Constituição de 1824 (art.32) permitia que um único cidadão participasse de duas eleições e fosse eleito, por exemplo, deputado geral e provincial, num mesmo período.

Para isso, enquanto estivesse no exercício de um cargo, deveria licenciar-se do outro, sendo substituído pelo suplente imediato. Mas, mas esse dispositivo constitucional foi infringido continuamente com a anuência da Assembleia Geral. Ressalte-se que o titular não perdia o mandato quando se licenciava, exceto nos casos em que os deputados gerais eram indicados conselheiros ou ministros de Estado. Ainda assim, procedia-se nova eleição para preencher a vaga, da qual podia ele participar. Mas, na prática, isso nem sempre foi a regra.

A maioria dos deputados com mandato duplo na Assembleia Legislativa Provincial da Bahia, por exemplo - segunda mais importante província do Império - era formada por servidores da alta administração pública. Seguramente, isso possibilitava a interferência direta do Governo Central - do qual esses deputados dependiam para promoções e ascensão na carreira burocrática e política - no Poder Legislativo.

Tal prerrogativa também contribuiu para a implantação de um projeto de poder em nível nacional e para a homogeneização da legislação das províncias, através do intercâmbio entre parlamentares de mandato duplo na Assembleia Geral (Câmara dos Deputados). Documentos históricos apontam nessa direção.

Intercâmbio de projetos

Em 1836, por exemplo, quando das discussões do projeto para a criação da Escola Normal da Bahia, o deputado conservador Miguel Calmon Du Pin e Almeida, que transitava com desenvoltura nos meios palacianos da Corte, encarregou-se de apresentar aos seus pares, na Assembleia Provincial da Bahia, lei idêntica autografada pelo também conservador Joaquim José Rodrigues Torres, presidente da Província do Rio de Janeiro, no ano anterior.

Havia um intercâmbio e uma união de interesses comuns entre os políticos conservadores da Bahia e do Rio de Janeiro, cidades portuárias vinculadas ao comércio agroexportador, com emprego de mão-de-obra escrava, em torno de um projeto de governo centralizado. O processo era facilitado pela homogeneidade ideológica proporcionada pela educação e pela circulação de ideias que o acúmulo de mandatos provincial e geral viabilizava.

Seguramente, um deputado com a formação intelectual e a experiência política de Miguel Calmon, doutor em leis pela Universidade de Coimbra e ex-ministro da Fazenda, no Primeiro Reinado, não teria usado como modelo uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro, se não tivesse politicamente afinado com o autor ou autores da matéria. Ele possuía em comum com Rodrigues Torres, futuro Visconde de Itaboraí, o fato de ter estudado na Universidade de Coimbra, além de ser partícipe de um mesmo projeto político.

Deputados com mandatos duplos

Nas três primeiras legislaturas da Assembleia Provincial da Bahia (1835-1841) foram identificados 13 deputados com mandato duplo. Todos eles bacharéis, a maioria formada na Universidade de Coimbra, que dominaram os principais cargos da Mesa Diretora da Casa e tiveram facilidade para aprovar matérias de seu interesse.

Foram eles: Francisco Gonçalves Martins, Francisco Ramiro de Assis Coelho, Honorato José de Barros Paim, Inocêncio Galvão, João José de Moura Magalhães, João Gonçalves Cezimbra, Luis Paulo de Araújo Basto, Manoel Maria do Amaral, Miguel Calmon Du Pin e Almeida, Antônio Joaquim Alvares do Amaral, João Pedreira de Couto, José Ferreira Souto e Romualdo Antônio de Seixas. Este ultimo era arcebispo primaz do Brasil na época.

Alguns deles ocuparam mais de uma vez a presidência da Assembléia Legislativa Provincial da Bahia e das principais comissões permanentes da Casa, como a da Fazenda e Negócios Fiscais, Polícia Provincial e Obras Públicas e a Comissão de Câmaras Municipais e seus Negócios, que controlava toda a vida financeira dos municípios, além de figurarem na lista sêxtupla de vice-presidentes da Província.

O grupo de deputados com mandato duplo era integrado por políticos já testados na vida pública parlamentar e administrativa, com uma vasta folha de serviços prestados à monarquia, desde o Primeiro Reinado. Miguel Calmon fora ministro da Fazenda de D.Pedro I. Honorato José de Barros Paim e Luis Paulo de Araújo Basto presidiram a Província da Bahia antes de chegarem à Assembléia. Gonçalves Martins era o chefe de Polícia de Salvador e Joaquim Marcelino de Brito havia sido presidente da Província de Sergipe e Ouvidor Geral do Ceará.

Construção do Estado Nacional

A maioria deles fez carreira nacional, com a ocupação de cargos importantes no poder central e nas províncias em retribuição aos serviços prestados à monarquia. Miguel Calmon continuou a trajetória ascendente, conquistando uma cadeira no Senado pelo Ceará, em 1840. Em 1843, chegou ao Conselho de Estado.Fracisco Ramiro de Assis Coelho foi ministro da Justiça e ministro do Império, em 1840. Francisco Gonçalves Martins, João José de Moura Magalhães e Manoel Maria do Amaral chegaram à presidência da Província, no Segundo Reinado.

Era muito comum, no período, que políticos fossem eleitos por províncias diversas, onde exerciam funções executivas. Principalmente os bacharéis de Coimbra, que faziam rodízio por cargos regionais e nacionais como parte de um projeto para implantação de um modelo de administração centralizado, no processo de construção do Estado Nacional.